18/02/2011

Um aboinense ferido na Guerra Colonial

   Julgo que foi Ernest Hemmingway, consagrado escritor norte-americano e laureado com o Prémio Nobel, quem afirmou que todas as guerras são criminosas. Completaram-se, no passado dia 4, cinquenta anos sobre o início da Guerra Colonial, uma guerra igualmente criminosa que o regime fascista, derrubado em 25 de Abril de 1974, manteve em África durante treze longos anos.
   Esses treze anos de confrontos exigiram o destacamento de 169 mil homens, maioritariamente jovens: 70 mil para Angola, 42 mil para a Guiné e 57 mil para Moçambique. Segundo a Resenha Histórico-Militar das Campanhas de de África (1961-1974), registou-se um total de 8 290 mortos, nas três frentes de guerra. A este número há a juntar 112 000 feridos, dos quais 30 mil terão sofrido deficiências para toda a vida, e perto de 100 mil vítimas do stresse de guerra, que ainda os apoquenta actualmente.
   Dos jovens aboinenses de então, se alguns, emigrando para o estrangeiro, se tornaram refractários para não participarem numa guerra que não era sua, outros houve que foram obrigados a combater nas ex-colónias portuguesas então em guerra. E se no regresso vinham todos – parafraseio deliberadamente o título do livro de Vasco Lourenço, um dos capitães do 25 de Abril - , um deles não escapou de ser ferido numa escarumuça na Guiné, em Junho de 1967. Trata-se de Manuel da Silva Moura, um amigo que, hoje com mais de 60 anos, entretanto emigrou para França, região parisiense, onde vive actualmente e goza de merecida reforma depois de ter trabalhado muitos anos na construção civil, nos últimos como encarregado de obras (chef de chantier).
   Com a expressa autorização do autor (a quem agradeço reconhecidamente) e com a devida vénia, transcreve-se a seguir o relato do acontecimento, narrado por quem o viveu de perto.

“S. Domingos, 27 de Junho de 1967
   Quando eram 13,20 h, foram ouvidos rebentamentos na direcção de Cassolol. O 3° Grupo de Combate da minha companhia que está destacado em Susana, imediatamente saiu em auxílio da população daquela tabanca. Ao chegarem ao local verificaram a existência  de um grupo IN disperso por Indiame, estando a população a reagir muito bem. Foi iniciada uma perseguição ao IN, obrigando-o a retirar até à bolanha de Catetia, revelando-se aqui em grande força. Calcula-se que o grupo IN seria constituído por cerca de 60 elementos armados de morteiros 60, Metralhadoras Pesadas, Metralhadoras Ligeiras e Pistolas metralhadoras. Com a chegada das NT, aumentou o contacto, mas não conseguiu progredir, devido à intensidade do fogo IN e à falta de munições que já começava a preocupar os nossos homens. Entretanto, cerca das 14 horas saiu de Susana um reforço das nossas tropas com Caç. Nativos, tendo chegado à bolanha de Catetia num momento crítico para as NT que tinham acabado de sofrer um ferido, com tiro numa perna. Dado que a intensidade do fogo não diminuía, e com a chegada de reforços, veio uma viatura ao aquartelamento para transportar o ferido, o soldado Manuel da Silva Moura, (um moço de Amarante) e reabastecer-se de munições. Este soldado pertence à secção do furriel miliciano Mário Silva, mais conhecido pelo “Girafa” por ser o mais alto da companhia. O contacto, prolongava-se com grande intensidade, mas a população e as NT respondiam com determinação, quando chegou um reforço de Varela às 15,45 horas. Entretanto, houve também um ferido da população que foi transportado ao quartel, e aproveitou-se para se fazer novo reabastecimento, quando ao fim de 3 horas o IN começou a ceder , após o envolvimento  das nossas forças, tendo sido perseguido até à fronteira. Diz-me o “Girafa”: “Quando entramos na bolanha, eu estava ao lado do Terruta. Como sabes, o morteiro não pode funcionar na bolanha, por não ter o prato de suporte.  Era a Basuca que entrava em acção, e nós víamos os gajos a dançarem na orla da mata. Eu dizia para o Terruta: É pá, será que os gajos estão bêbados, drogados, ou estarão a gozar connosco? E nós, agachados no meio da bolanha, indefesos, sem abrigos e desesperados. Então levantámo-nos todos, corremos  em direcção aos gajos, disparando, e eles fugiram”. Na minha modesta opinião,  acho que é um acto de heroísmo e valentia, que eu não sei se teria coragem de fazer. Mas a gente nessas ocasiões, faz tudo para salvar a pele. Vai buscar forças, nem que seja no Olimpo.
   Eram 18 horas, quando as nossas forças regressaram ao aquartelamento. Foi mais um dia de grande sofrimento, com peripécias à mistura, como aquela dos bêbados e drogados”.
Diário da Guerra Colonial – Guiné 1966-1968, Luís de Matos, Edição do autor, 2009, pág. 103-104

GLOSÁRIO (retirado do livro de Luís de Matos):
   Bolanha – Arrozais em geral rodeados de pequenas florestas.
   IN – Inimigo, os guerrilheiros do PAIGC
   NT – Nossas tropas
   Tabanca – Casa, palhota, conjunto de habitações dos negros. Este termo, também é utilizado para denominar as casas dos nossos militares.

NOTAS (de RLCerqueira):
   Nota 1: Os lugares e as povoações  de Cassolol, Suzana, Indiame, Catetia e Varela   integram o sector de S. Domingos, na região do Cacheu (actualmente a Guiné-Bissau divide-se administrativamente em regiões e sectores), localizando-se no noroeste do país, a pequena distância da fronteira com o Senegal. A luta armada na Guiné-Bissau foi iniciada em Julho de 1961 pelo Movimento de Libertação da Guiné (MLG), posteriormente prosseguida pelo Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), com ataques às povoações de S. Domingos, Suzana e Varela, localidades onde também existiram aquartelamentos das tropas portuguesas, que actualmente se encontram em ruínas.
   Nota 2: Segundo Luís de Matos, o aboinense Manuel da Silva Moura, com a especialidade de soldado atirador, serviu na ex-colónia da Guiné entre 1966 e 1968, integrando a secção chefiada pelo Furriel Miliciano Mário Manuel F. Cardoso Silva, que pertencia ao 3° Pelotão dirigido pelo Alferes Miliciano Júlio Morgado Rodrigues, da Companhia de Caçadores n° 1590 comandada pelo Capitão Aires Jorge Costa Gomes, pertencendo esta ao Batalhão de Caçadores n° 1894.
   Nota final em jeito de apelo: Agradece-se a quanto nos lêem que nos forneçam informações sobre aboinenses que participaram na Guerra Colonial, indicando-nos o nome, a ex-colónia onde serviram e as respectivas datas. O administrador deste blogue manifesta-se desde já muito grato.

1 comentário:

  1. Eduardo Teixeira Lopes
    Filho de Aboinenses a saber:
    António de Andrade Lopes e Laurinda Teixeira da Silva ambos naturais da Portela
    Cumpriu missão na Provincia da Guiné de 1970 a 1972

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