09/05/2010

Aboim nunca se chamou Santa Cruz de Abuil

   Ao abrir-se a página relativa à freguesia de Aboim no Portal das Freguesias, inserto no sítio internet do município de Amarante, lê-se: “São Pedro de Aboim, ou Santa Cruz de Abuil, como inicialmente se chamava”. E mais adiante: “Antes, fora doada por Ordonho II, rei de Leão ao Mosteiro e Couto de Castromire – Crestuma”.
   Ora, o que ali se lê não tem qualquer fundamento. Na verdade, esta invencionice, que já vem de 1873, tem por autor Augusto Barbosa de Pinho Leal, co-autor de uma celebérrima obra chamada Portugal Antigo e Moderno. Ainda que frequentemente citada por autores amadores de monografias locais, deve-se ter todas as cautelas e reservas na sua consulta, porquanto nela a história, a lenda e a invenção correm a par.
   Como é hábito neste autor, nada mais acrescentando, não indica de onde colheu essa notícia, mas ela tem origem no documento n° 25 da Diplomata et Chartae (uma colecção incluída nos Portugaliae Monumenta Historica cuja publicação sistemática começou a ser feita pela Academia Real de Ciências, sob a direcção de Alexandre Herculano) que inclui os documentos particulares e régios conhecidos e referentes ao futuro território de Portugal desde o século IX até 1100.
   Assim, segundo o mencionado documento, em 922, o rei Ordonho II, vindo a Portugal embarcado (“excitavit naves in Portugale”), visitou o bispo Gomado no acistério de Crestuma, aí viveu com seus condes por uns dias e ele e estes fizeram grandes doações ao dito bispo e seu mosteiro, entre as quais a expressa nesta frase do diploma de doação: “De Portugal dedit aliam ecciesiam in lagona de Avuil vocábulo Santa Cruce cum suos dexteros inteegros vel suo debito prope litore maris”.
   Não será necessário saber latim para se descobrirem no texto as referências a uma lagoa e a litoral de mar, o que indicia a sua proximidade da orla marítima, o que não acontece com a freguesia de Aboim, ainda que na nossa Serra exista um curioso topónimo com a estranha designação de Costa dos Mares.
   Actualmente sabe-se que a lagoa de Avuil se refere à lagoa conhecida por “Barrinha de Esmoriz” situada entre as freguesias de Paramos (concelho de Espinho) e de Esmoriz (concelho de Ovar), cerca da qual há a povoação de Santa Cruz, ainda que haja quem defenda que este lugar se encontra mais longe, na freguesia de Silvade também do concelho de Espinho.
   Para terminar, não posso deixar de esclarecer que, entre especialistas, há muito se sabe que o documento n° 25 da Diplomata et Chartae é um apócrifo, isto é, um documento cuja autenticidade não está comprovada.

   Dedico este escrito a um jovem aboinense, amigo do meu filho mais velho, que encontrei há dias num jantar convivial com amigos comuns, o qual pretendeu informar-me que o nome primitivo de Aboim era Santa Cruz de Abuil. Incrédulo e decepcionado quando desmenti tal afirmação, provavelmente ter-se-á interrogado que autoridade eu teria para negar o que ele tinha lido no sítio internet da CM de Amarante e, acrescento eu, há quase 140 anos, vem sendo erroneamente repetido até à exaustão em jornais e revistas, em livros, dicionários corográficos e enciclopédias.
   É lamentável e profundamente contraditório que a Câmara Municipal de Amarante, a qual nos últimos 12 anos já realizou dois congressos históricos onde “se honra o passado pelo estudo e se prepara o futuro pela ampliação e divulgação do conhecimento”, no seu sítio institucional mantenha informações erradas sobre a história das freguesias que constituem o município, assim induzindo em erro as novas gerações que, muitas vezes, procuram avidamente o conhecimento das suas raizes.

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