15/06/2010

Constituição Liberal jurada em Aboim

   Em 6 de Novembro de 1822, as autoridades constituídas no Couto de Aboim e Codessoso reuniram-se na Igreja Matriz de S. Pedro de Aboim e aí juraram a Constituição Política da Monarquia Portuguesa, em cerimónia solene celebrada pelo Pároco de Aboim, Pe. Manoel Ribeiro Teixeira.
   Para além do já mencionado Pároco de Aboim, do Pároco de Codessoso, Pe. Domingos José da Silva Campelo, e do Escrivão da Câmara e Cível, Manoel de Sousa, participaram no acto e assinaram o respectivo auto as seguintes individualidades e notáveis das freguesias de Aboim e de Codessoso: Domingos da Mota, Juiz; Francisco Dias da Silva, Juiz Substituto; João Coelho, Vereador Presidente; Manoel José da Silva, Vereador; Joaquim de Andrade, Vereador; José Lopes, Vereador Substituto; Manoel Joaquim da Silva, Vereador Substituto; Manoel António da Fonseca, Procurador; João Luiz da Mota, Procurador Substituto; e o Pe. António Teixeira de Carvalho, ex-Pároco de Aboim, que o fora durante 20 anos.

Tempos de mudança

   Cerca de mês e meio antes (23 de Setembro), com o acto formal da assinatura pelos deputados das Cortes Constituintes, em Lisboa, terminava a elaboração da Constituição Política da Monarquia Portuguesa. Uma Constituição bastante progressista para a época, que se afasta frontalmente do regime absoluto, ao instituir o sistema de poderes tripartido que ainda vigora actualmente (poder executivo: rei e ministros; poder legislativo: cortes; poder judicial: tribunais), ao prever ainda a liberdade individual e a livre expressão de pensamento, a igualdade de todos os cidadãos perante a lei, a supremacia das Cortes legislativas, eleitas por sufrágio universal e directo (de que eram, porém, excluídos os analfabetos, as mulheres e os frades) e a defesa da monarquia, com óbvia redução dos poderes do rei, o qual não podia interferir no funcionamento das Cortes e muito menos suspendê-las ou dissolvê-las.
   Lembro aqui que as Cortes Constituintes, para além da elaboração e promulgação da Constituição de 1822, em apenas vinte meses de trabalhos realizaram uma extensa e notável obra legislativa, revelando que os seus deputados tinham consciência das reais necessidades de modernização das estruturas sociais do País. É especialmente importante o decreto que extinguiu os serviços pessoais feitos por imposição de foral, graça régia, posse imemorial, direito dominial e enfitêutico, e bem assim os chamados direitos banais (obrigação de moer o trigo, cozer o pão, fazer o vinho ou o azeite em lagar do donatário), os privilégios de boticas e estalagens, as obrigações consistentes em frutos, dinheiros, aves e presuntos impostos a favor dos senhorios, e todos os privilégios que obstassem ao livre comércio e circulação das mercadorias. Foram extintos os serviços penais, declarada a liberdade de ensino, extinguiram-se os privilégios da Companhia de Vinhos do Alto Douro relativos a aguardentes e foram suprimidas as coudelarias, os privilégios de aposentadoria, o Juízo da Inconfidência, as leituras prévias do Desembargo do Paço. Valor simbólico teve a supressão da Inquisição, votada por unanimidade em 24 de Março de 1821, decorridos quase três séculos sobre a sua introdução em Portugal.

Porquê na Igreja e não na Casa da Câmara?

   Esta interrogação já a tinha feito num artigo sobre o assunto e publicado no “Jornal da Terra” há anos. De facto, não me espantava o acto político aliado à cerimónia religiosa, relatado na abertura da presente nota histórica. A própria Revolução Liberal, no Porto, em 24 de Agosto de 1820, consistiu numa parada militar, na leitura de uma proclamação e… na celebração de uma missa.
   O que me surpreendia é que aquele acto tivesse tido lugar na Igreja Paroquial de Aboim em vez de ser realizado na Casa da Câmara do Couto de Aboim e Codessoso (então um vetusto e provavelmente modesto edifício no lugar de Aboim, localizado nas proximidades do que é actualmente a oficina do Zé Manel Carvalho), onde posteriormente se realizariam actos similares e com a mesma categoria de intervenientes.
   Sabe-se que, na época, a actual Igreja Paroquial de Aboim era de construção muito recente, pois é referido num documento, do mesmo ano, que a paróquia "tem Igreja nova e de boa arquitectura; não tem sacrário de que precisa muito por ficar muito distante das Igrejas que o tem". Assim, é perfeitamente natural que a nova Igreja oferecesse muito melhores condições para a celebração de tal acto do que as exíguas instalações dos já mencionados Paços do Concelho de Aboim e Codessoso.
   Efectivamente, a celebração deste acto solene na Igreja Paroquial resultava de uma imposição legal, pois, por Decreto datado de 11 de Outubro de 1822 e publicado no Diário do Governo n.º 245, de 17 do mesmo mês, estabelecia-se que no primeiro Domingo de Novembro (dia 6) fosse celebrada uma missa solene na igreja principal de cada localidade e aí fosse jurada a Constituição Política da Monarquia por todos os empregados públicos, eclesiásticos, civis e militares e “que todo aquele que sendo obrigado pelo referido Decreto a prestar o dito Juramento se recusar a cumprir com tão Religiozo dever, perca a qualidade de Cidadão, e saia imediatamente do Territorio Portuguez”.
   Como se vê, as autoridades civis e religiosas do Couto de Aboim e Codessoso cumpriram com zêlo e diligência a ordem proveniente de Lisboa, a qual, como é sabido, somente não seria acatada pela rainha D. Carlota Joaquina, com as funestas repercussões que viria a ter no futuro.



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